Fui no meu
apartamento velho ontem de manhã. Tudo ainda era igual. Subi as escadas de dois
em dois degraus, como eu costumava fazer. A cópia da chave que eu ainda tinha
serviu certinho na fechadura. Dei duas voltas. Abriu. A sala estava vazia, mas
entrei assim mesmo. Não só a sala, como todos os outros cômodos. O sofá onde eu
costumava pegar no sono lendo Bukowski. A TV onde eu passava horas na frente,
chorando por comédias românticas clichês. A escrivaninha onde eu perdia o sono
por ficar a noite inteira escrevendo meus contos, crônicas e romances que nunca
foram publicados. A estante onde eu guardava minha coleção de vinis e livros.
Nada mais estava ali.
Haviam algumas
bitucas de cigarro espalhadas e garrafas vazias de uísque barato pelos cantos.
Sentia como se boa parte de mim deixasse de existir. Toda a vida que tive
naquele lugar. Todos os sonhos que abandonei por serem exuberantes demais.
Todos os objetivos irrelevantes que troquei. Todos os amores que vivi. Tudo
deixado pra trás. Sentia-me nostálgica. Lembro quando me disseram que eu sonhava
demais e vivia de menos. Cheguei a perguntar-me se eu havia abandonado cada um
dos meus sonhos para viver a vida real. Lagrimas caíam. Estava tudo ali, só estavam abstrusos. Mas mesmo não estando visível aos olhos, eu
via.
Fui até a cozinha,
onde eu costumava ter minhas crises de bloqueio de inspiração e criatividade e
sentei no chão, onde a geladeira costumava ficar. Lembrei-me das vezes que
ficava apenas parada e encostada na pia, bebendo café e olhando para o chão,
imaginando o dia em que eu sairia daquilo e viveria uma aventura de
verdade. Eu, de fato, saí. Perguntava-me
porque voltar ali causava-me tanto estranhamento. Porque eu sentia como se não
fosse mais meu?! Como se não fosse mais eu?! Sentia que mesmo que aquele lugar
ainda estivesse em meu nome, com minhas marcas espalhadas pelo chão e pelas
paredes, com vestígios de uma vida inteira que vivi ali dentro, era como se
nada daquilo me pertencesse. A não ser pelas lembranças, memórias e sonhos que
ficaram guardados na gaveta.
Depois de zonzar
pela casa, fui ao único lugar que costumava me afastar do mundo, e ficar apenas
dentro de mim. Subi degrau por degrau, andar por andar, vida por vida, e
cheguei até o terraço. E foi só depois que me debrucei no parapeito que
percebi. Eu não sentia aquilo como sendo meu porque eu já não era a mesma
pessoa de quando eu vivia ali. Os sonhos não se perderam e os objetivos não
foram abandonados, eles apenas mudaram. E tudo bem não me sentir mais
confortável em um lugar que por tanto tempo foi eu. Porque eu já não era mais
aquele lugar e nem aquela pessoa. Porque as pessoas mudam. Não pra melhor, não
pra pior. Apenas mudam. E tudo bem eu ter deixado tantas coisas pra trás,
porque elas não me agregavam mais nada, não me faziam mais bem, não me traziam
mais felicidade. Apenas me puxavam para trás. E eu não precisava de alguma
coisa que me prendesse num cantinho. Precisava de coisas novas. Coisas que
quisessem acompanhar minhas mudanças. Agora eu pulo de casa em casa, de moradia
em moradia, e não tenho lugar fixo para ficar. Poderia voltar para o
apartamento, mas o apartamento faz parte de alguém que deixei para trás há muito
tempo. Procuro por um lugar que se encaixe com o que eu sou agora, mas isso não
significa que eu tenha abandonado tudo o que aquele apartamento significou para
mim, porque é graças à ele que sou hoje, quem sou.
Desci do terraço
e voltei para a sala. Sentei no chão de madeira. Não chorei. Não me senti não
pertencente. Olhei para as marcas dos quadros antes existentes nas paredes,
para as dos móveis antes existentes no chão. E sorri. Aquele lugar nunca
deixaria de ser meu. Porque ele era eu. Um dia, pelo menos, foi.
Fechei a porta.
Dei duas voltas com a porta. Tranquei-a. Desci as escadas, um degrau de cada
vez, e cheguei até a rua novamente.
- Ô, menina!
Tava visitando a vida antiga?! – Perguntou um senhor com quem eu costumava
esbarrar quando ainda morava ali.
- Tava sim, Seu
Armando.
- Pretende
voltar?! – Tornou a perguntar.
- Nada, só tava
procurando uma coisa. – Respondi.
- E achou?!
- Acho que a
verdade é que nunca perdi. Só tava bem guardado.
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