Ligação errada

  

Leia ouvindo:


       - Alô? - Disse ele, com uma voz ofegante. Não como se estivesse acabado de acordar mas sim como se tivesse terminado outro "serviço" com uma menina qualquer que conhecera em uma festa qualquer. 
Meu coração deveria ter travado. Mas não travou. Não dessa vez. Pensei em olhar na tela do celular para ver se tinha discado para o número certo. Mas eu sabia que era o número certo. 
Sua voz é uma daquelas coisas que mesmo que se passem gerações e gerações, nunca serão esquecidas ou confundidas.
Sei disso porque já não conversamos há alguns anos. Sete anos, oito meses e dois dias. Só para ser mais exata. E nove horas. Para ser um pouco mais exata. Os minutos eu esqueci de contar antes de digitar número por número no teclado. Ainda lembrava de cada um como se nunca houvesse parado de digitá-los. 
O céu já estava escuro e o relógio estava distante para que eu pudesse olhar o horário. Mas pela falta de estrelas e o acúmulo de nuvens, além de saber que no dia seguinte iria chover, poderia chutar que passava das duas da manha.
Ele sempre me dizia para que nunca ligasse depois das duas da manhã. E eu nunca liguei. Ficava com medo de que se revoltasse e resolvesse terminar tudo. Tudo o que, na verdade, nunca nem havia começado. Não para ele e, agora, não para mim. 
"Tá tão cheio e chato aqui, porque a gente não dá uma volta pra se conhecer?". 
Aquela noite ele conheceu tudo o que seria importante para ele. Inclusive minha pinta em forma de coração que possuo na virilha desde que nasci. Eu também conheci tudo o que seria importante para mim. Como seus olhos que, na sombra eram castanhos e sob a luz da lua eram verdes. Suas sardas no nariz. E o som de sua risada. 
Não é estranho quando uma som passa de uma necessidade diária para uma repulsa? 
Me disseram que é possível deixar de amar uma pessoa. Quando essa pessoa muda tanto que você nem mais a reconhece. Ainda não sei se é uma verdade universal. Mas talvez seja algo que criamos dentro de nossas mentes para explicar o sentimento de ser magoado tantas e tantas vezes. Mas continuamos amando. Só não mais apaixonados. 
Nunca somos para alguém o que esse alguém é para nós. Um sempre sentira mais. Chorará mais. Pensará mais. Se importará mais. Amará mais. E dói pensar que eu, e que tudo o que aconteceu, significou a mesma coisa que as outras significaram e significarão. 
Eu só precisava ter sido a única em alguma coisa. Qualquer coisa. A única em uma música, um olhar, um sorriso, uma boa piada, um bom café. 

- Se lembra de mim? - Foi o que perguntei. E nem mesmo com o que ele respondeu, senti-me aflita ou mexida. Foi apenas.... Indiferente.
- Quem está falando?

Era isso. Esse era o motivo pelo qual digitei numero por numero e apertei o botãozinho verde.

- Desculpe, liguei errado. - Logo o "tu tu tu" tomou conta do telefone, dos meus ouvidos, do quarto, de toda a casa. Tomou conta de mim e tomou conta do porque. 

Ele nunca será para outra pessoa o que foi, é e sempre será para mim. Os cheiros sumiram. As risadas. Os momentos. As dores e mágoas. As noites na cama e as noites mal dormidas. As noites de orgasmo e as noites de lágrimas. De repente era apenas eu. 
As coisas e pessoas tem o significado que nós damos à elas. E então, soube qual era o dele. Só uma ligação errada. Ou talvez, a certa. Mas não mais. 

O sol então nasceu, o cheiro de café da mamãe subiu, e a vida... Bem, ela continuou.. Pronta para mais milhares de significados passageiros.

4 comentários :

  1. Gente...................... moça virei seu fã! Desde quando tem esse blog? Ja pensou em fazer um vlog? Se tem qual o link?

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    1. Ahhhhh muitíssimo obrigada *-* Eu tenho esse blog faz 4 meses já hehehe. E tenho um vlog sim, dá uma conferida (: https://www.youtube.com/user/RaiannyMartins

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  2. Me apaixonei por esse texto. Parabéns.

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