Não recuse o que a vida te oferece de graça

        Esqueci que dia foi. Mas me lembro bem de como tomei essa decisão. Foi lendo aquele livro velho e clichê. Aquele livro que achei no fundo da prateleira da livraria e não pensei duas vezes em comprá-lo e deixar na cabeceira da cama. Li aquela frase boba em meio a tantas outras centenas. Isso pra quem diz que uma coisa em meio a centenas de outras nunca é notada. É sim, só depende de que valor a coisa agrega. A capa só chama a atenção, mas o que prende é o que vem depois dela. 

Foi com a tal frase que comecei a me obrigar a parar de negar os poucos prazeres que a vida oferece. Preciso esquecer esse orgulho bobo porque algumas das alegrias do dia duram poucos segundos. E a vida é feita desses segundos. Então pra que virar a cara quando o que eu quero mesmo é sorrir com o canto da boca e me jogar de cabeça?

Conquistar algum bem, na vida, é tão difícil de ganhar e tão fácil de perder. Então porque desperdiçar os que ela dá de graça?!

Quando a vida te oferece uma bebida paga na mesinha do bar. Uma esquina que você cruza e alguém em quem você esbarra, derrubando tudo e pedindo desculpas. O relógio que você esqueceu, as horas que você precisa saber e a pessoa que você escolhe pra perguntar. Aquele sorriso através da janela do carro ao lado. Aquela troca de olhares com o garoto do skate e boné amarelos e o par de olhos mais azuis que já encontrou. O número de telefone que você deixa em um marcador de livros pro vendedor da livraria, porque ele cantou pra você o restinho da sua música favorita e elogiou o livro que você comprou. O cara que não se incomodou nem um pouquinho em tocar uma música do Zeca Baleiro tendo você entre ele e o violão. A música que tocava na loja de roupas e te fez querer dançar, mesmo com todo mundo olhando. Um desconhecido que você sente vontade de abraçar só pra agregar mais amor e respeito ao mundo. 

Não deixe de ligar porque você vai parecer ridículo ou ridícula correndo atrás. Não deixe de ficar três horas conversando no telefone porque você leu em um livro de auto-ajuda que só deve ficar dez minutos. Não se esforce pra não se apaixonar quando tudo o que você mais quer é se entregar. Não finja que não viu o moço bonito do balcão olhando descaradamente pra você. Encare-o também, porque logo a bebida dele vai acabar e ele não vai ter mais desculpas pra continuar no bar, a menos que você troque com ele o seu numero do celular. Não deixe de dançar porque todos estão sentados. Quem está parando a vida e deixando pra depois são eles e não você. Não finja que não sabe nadar só por ter vergonha de ficar de biquíni na piscina. O seu corpo é tão bonito que Deus o escolheu especialmente pra você, não tenha vergonha de algo que Deus escolheu. Use aquela roupa que você é apaixonada, que era moda há três semanas atrás e que todo mundo fala mal. Transe com alguém atrás do piano enquanto seus pais estiverem dormindo. Deixe quem está te beijando apertar a sua bunda se é o que você quer, ao invés de se preocupar em parecer fácil. Você é o que acredita ser. Os outros acreditam que você é o que você transparece. Se não der pra fazer do jeito convencional, improvise, mas não deixe de fazer.

Faça, admita, dance, sinta, abrace, beije, toque, escute, sorria, olhe, encare, sussurre, mas não deixe pra depois. Não deixe os pequenos prazeres da vida pra depois. Porque são esses poucos segundos que te constroem. 

É como a música do Zeca Baleiro. Mande flores ao delegado, bata na porta do vizinho e deseje bom dia, beije o português da padaria.