As nossas fotografias



        Do fundo do meu coração, realmente espero que tu ainda seja aquele cara que preferia receber cartas a e-mails. Que preferia coisas escritas a mão a coisas digitadas pelo computador. Tudo porque "Você consegue sentir um pedaço da pessoa quando é ela quem faz, como se você conseguisse sentir a mesma coisa que ela sentiu enquanto o fazia". - Era sempre o mesmo discurso, entre uma carta e outra que chegava pelo correio, entre uma xícara de café e outra de chá que sua mãe me oferecia assim que eu apontava pela cozinha, a cada vez que você parava tudo o que estava fazendo pra ler as cartas que chegavam. 

Mas já se passaram anos e não sei se tu ainda confere a caixa do correio pelas manhãs ou se prefere ligar o computador pra checar se chegou alguma notificação. As pessoas mudam e coisa e tal. Mas se você receber esta carta. Se você ao menos ler esta carta, acho melhor começar pedindo desculpas por ter demorado seis anos pra escrever. Vou te explicar tim-tim por tim-tim desde março de 2008, naquela manhã nublada de São Paulo, quando eu acordei e descobri que precisava te deixar.

O copo de cerveja ainda estava no lugar que você havia deixado, do lado do cigarro apagado, no criado mudo do meu quarto. Como eu odiava, e ainda odeio, o gosto daquela cerveja amarga que você sempre gostou. Sua camisa azul estava jogada no chão, mas você não estava mais lá. Deve ter ido embora antes de amanhecer. Sua mãe não podia saber que você pulava a janela do seu quarto, subia pela árvore do lado da minha, e dormia, quase todas as noites, comigo. 

Hoje, enquanto eu estava desempacotando as coisas no meu novo apartamento, achei uma caixa azul. A caixa deve ter se perdido no meio da bagunça onde eu morava com meus pais, até semana passada. Mas agora eu moro sozinha. Dentro dessa caixa eu achei nossas fotografias. Fotos que eu tirava de você, sem roupa e com a iluminação das seis da tarde. Fotos que você tirava de mim enquanto eu dormia. Fotos que tirávamos juntos o tempo inteiro. Porque as coisas eram tão divertidas que precisávamos deixá-las vivas de alguma forma. E a minha câmera lomo era perfeita pra isso. Acho que deu certo, porque de repente, hoje, todas as lembranças que tenho de você se avivaram dentro da minha mente.

Não consegui me perdoar por não ter me despedido. Não sei se te interessa saber, mas não há um dia sequer sem que eu pense nisso. Mas hoje a saudade que me invadiu foi tanta que não cabia em mim, precisei passá-la para outro lugar. Talvez você a sinta enquanto toque no papel. Porque é o que eu estou sentindo enquanto escrevo esta carta.

Eu deveria ter deixado ao menos um recado. Mas depois de uma semana sem ter sinal de mim, você deve ter percebido que eu não voltaria. Afinal, você parou de me procurar. 
Nunca gostei de despedidas, você sabe. Elas acabam nos oferecendo mais alguns minutos para pensar. E são esses minutos a mais que poderiam ter feito com que eu escolhesse ter ficado. Eu não te contei mas, quando estamos frente a frente, nenhuma das minhas escolhas podem ser consideradas. Estar longe de você me permite pensar com a cabeça, mas quando estamos um olhando nos olhos do outro, acabo me deixando levar pelo coração.

Então, naquela manha nublada de São Paulo, quando o sol estava apontando no céu e clareando meu quarto, preferi cobrir o rosto com o edredom do que me forçar a abrir os olhos. Seu cheiro estava naquele edredom. E então aconteceu. Aquela sensação me atingiu como uma pancada na cabeça. De repente todos os órgãos, músculos e cada pedacinho do meu corpo queriam você. Não te queriam apenas fisicamente. Aquela sensação me fez te querer de corpo, coração e alma. Me fez te querer por inteiro e completamente para mim. Só para mim. 

Desculpa, acabei ferrando com tudo, eu sei. Mas foi naquela manhã que percebi que te amava. E eu não podia me apaixonar, muito menos por você. Porque nós dois sabemos que paixão é sinônimo de relacionamentos, e a única coisa que os relacionamentos deixam são mágoas. Magoas e um coração partido. Então, preferi partir seu coração primeiro. 

Espero que um dia possa me perdoar. 

Com amor, 
Eu.

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