Eu tive a sorte de um amor tranquilo


        Rabisquei um esboço do teu rosto em todas as folhas do meu caderno. Desenhei as tuas sobrancelhas e pincelei tua íris até decorar teus olhos puxados. Rabisquei teus lábios largos na esperança de que pudesse vir a me trazer as cócegas que sua língua faz quando brinca com o interior da minha boca.

Os meus cabelos que você penteia tão cuidadosamente com a ponta dos dedos e os seus que eu adoro bagunçar devido a minha inquietação e incapacidade de não encostar-te como posso quando tenho a chance.

Guardei cada uma das nossas fotos, cada uma das notas fiscais de cada lugar que fomos, o som da sua risada cada vez que badernamos. Guardei cada nome de cada livro que folheamos nas livrarias e cada autor e poema que você citou e recitou comigo deitada no teu colo enquanto o ar condicionado fazia-me arrepiar e você me esquentava com o mesmo calor de uma tarde inteira de sol.

Quando discutimos sobre política ou sobre psicologia e você não tira os olhos sérios de mim. Ou quando falamos sobre nada e isso nos preenche por inteiro. Quando você chega envolto em um escudo privando-se do mundo e eu tento fazer você baixar a guarda e sorrir junto com meu sorriso. E você sorri.

Cada disfarce que você passa horas montando pra se defender das tuas emoções, que eu destruo com tanta facilidade que te irrita. Ou quando você também consegue me irritar e logo nós dois queremos nos matar. Eu sei que você não resiste muito tempo e eu confesso não segurar o riso quando transformamos a briga em uma piada engraçada.

O jeito como tudo é de uma tranquila naturalidade e flui como o vento que levanta as folhas das calçadas e a saia do meu corpo. O jeito como meu corpo se encaixa perfeitamente no teu. Como nossos dedos se entrelaçam com tanta suavidade e como você aperta minha mão como se quisesse declarar ao mundo que eu sou sua.

A sua não preocupação em esconder que odeia todas as músicas que amo e a minha em fazer questão de repudiar suas comidas favoritas.

Os gemidos que só você consegue arrancar de mim e os puxões de cabelo que quase me fazes implorar pra receber e o tesão árduo que só o meu olhar sínico num boteco e minhas mãos abrindo seu zíper por debaixo da mesa tem o poder de te desvairar.

As inseguranças com meu corpo que só você consegue fazer desaparecer. E todos os centímetros do meu corpo que você me pediu pra conhecer. As mãos que você perde horas passeando pelas curvas e volumes que minha pele tem a oferecer. E os arranhões que insisto em deixar na sua pra quando doer, você lembrar de mim.

Todas as luzes que deixamos acesas e eu nem me preocupei em reclamar. Cada risada que demos entre os cobertores da minha cama e cada vez que te peguei me espionando enquanto escrevo.

Quando eu deito em cima de você e consigo ouvir o som da sua respiração ofegante e os batimentos do seu coração. O beijo que você dá na minha testa como se quisesse cuidar não só do meu físico, mas do psicológico e emocional também. E o jeito como você olha através das janelas dos meus olhos. Como se conseguisse enxergar por além da minha alma. 

Como se o universo tivesse feito dois corpos completamente distintos se encaixarem como se um sempre fosse pertencido do outro.

Os detalhes que cada momento me dá a chance de lembrar e relembrar como se pudesse reviver tudo de novo e viver tudo novo.

Sempre achamos saber o que é o amor... Até amar alguém de verdade. 

Eu tive a sorte de um amor tranquilo. Todo o amor que há nessa vida.


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