A peculiaridade de um isqueiro


        Dizem que o amor entra de fininho. Entra disfarçado de um feixe da luz do sol ou uma brisa do vento de fim de tarde. Vai se adaptando às curvas do seu corpo e dos seus sentimentos. E, sem que você perceba, moldando e mudando você.

Ela entrou como um furacão. Destroçando cada parte de mim e devastando emoções inteiras.

Ao invés de pedir licença, ela me pediu um isqueiro emprestado. Mal chegava a um metro e meio de altura e já se achava metida à fumante. Seus cabelos, até os ombros, eram da mesma cor de seus olhos. Uma imensidão de um negro peculiar. Ela usava uma camiseta cinza, caída nos ombros, permitindo que suas clavículas ossudas ficassem à mostra. Ironicamente, era instigante.

Seria de certa estupidez – e até uma teoria ridícula – achar que foi um isqueiro esquecido que a trouxe pro meu mar libido, mas sim, foi. Maldita seja sua memória.
Ela procurava por um singular para preencher o seu plural, e eu tinha um jogo de palavras inteiro a oferecer.

Em terra de promiscuidade, ela era a rainha.

Maldita morena autoritária. Maldita egoísta. Maldita libertina. Maldita mania de ser impulsiva e fazer só o que lhe for conveniente. Maldita!

Talvez ela só procurasse por alguém que preenchesse o vazio de sua cama por aquela noite. Mas fui eu quem insistiu em preenchê-la todos os dias, todas as noites, ou quando o trabalho desse uma folga e o jornalismo ficasse como segundo plano. Mas apesar de a cama ser dela, era eu quem mais a ocupava. E quando o primeiro raio de sol aparecia, ela já não estava mais lá.

O amor, então, bateu na minha porta. Eu, é claro, não quis abrir. Então, como uma tempestade junta de um furacão, despedaçou minha porta em mil pedaços e entrou assim mesmo. Ele entrou dentro de mim – ou eu dentro dele – e me invadiu como um orgasmo.

O amor, que se disfarçou de uma feminista não assumida que perdia horas poetizando na mesa do bar e na beira da minha cama. Minhas poesias favoritas eram aquelas em formas de sussurros e gemidos. Desconfio que as dela também.

Sorria de canto de boca. Maliciava no olhar. Brincava de ser quem ela bem entendesse ser. Apreciava as grandes heroínas da história e fazia história com a minha vida. Maldita, seja!

O que não me disseram é que depois do furacão e da tempestade, vem o arco-íris. E ela não gostava muito de cores. Em uma manhã, ela não estava mais lá. E nem nunca mais esteve.
Então, no decorrer dos anos, enquanto eu me afastava do amor – ou, no caso, ele de mim -, fui comprar pão em uma terça feira à tarde.

“Licença, pode me emprestar um isqueiro? É que eu esqueci o meu...”


Era o mesmo hálito de cigarro de sempre. Mas com os cabelos um pouco mais compridos. 

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Na foto: Ingrid Albuquerque

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